Daniela Fidellis - Consultoria para Clínicas e Consultórios

Prescrição legal de medicamentos por enfermeiros: o avanço (e os limites) de uma prerrogativa com 40 anos de respaldo

Imagine que um paciente procure sua clínica de estética ou unidade de saúde e, após avaliação de enfermagem, já receba indicações de medicamentos simples, sem necessariamente precisar aguardar um médico para cada passo. Isso tem gerado debates intensos ultimamente — afinal, a prescrição por enfermeiros, embora fundamentada em lei federal, enfrenta resistências, questionamentos judiciais e dúvidas práticas. 

Este artigo vai mostrar por que essa prerrogativa existe há décadas, por que está ganhando nova força agora, quais são os principais pontos de conflito e o que isso representa para gestores de clínicas de estética, consultores e profissionais de saúde.  

Se você atua ou investe em saúde e estética, entender esse cenário é essencial para antecipar transformações, ajustar protocolos e posicionar seus serviços estrategicamente. 

1. Histórico e base legal: o que diz a lei federal 

1.1 Lei 7.498/1986 e Decreto 94.406/1987 

A prescrição de medicamentos por enfermeiros está prevista no art. 11, alínea “c” da Lei 7.498/1986, que trata do exercício profissional da Enfermagem. Essa lei estabelece que o enfermeiro pode prescrever medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública ou dentro de rotinas aprovadas pela instituição de saúde. O Decreto 94.406/1987 regulamenta dispositivos dessa lei. 

Ou seja, juridicamente já existe respaldo para a prática — há quase 40 anos — mas com condicionantes: não é prescrição irrestrita, deve ser dentro de programas institucionais ou protocolos validados.  

1.2 Portaria 2.436/2017 e pactos no SUS 

Para operacionalizar essa prerrogativa, a Portaria 2.436/2017, do Ministério da Saúde, incluiu entre as atribuições dos enfermeiros a possibilidade de prescrição, solicitação de exames e consultas de enfermagem, desde que segundo protocolos, diretrizes clínicas e normas técnicas definidas pelos gestores de saúde. Assim, além do respaldo legal, há diretrizes de saúde pública que orientam como ela deve ser aplicada.  

1.3 Limites expressos e controvérsias 

  • Enfermeiros não podem prescrever medicamentos sujeitos a controle especial (anabolizantes, psicotrópicos, etc.), segundo nota técnica de agências estaduais.  
  • Há discussão sobre até onde essa prescrição pode ser válida no setor privado versus público, especialmente no que tange a farmácias e sistema de controle de antimicrobianos.  
  • A Lei do Ato Médico (Lei 12.842/2013) não impôs exclusividade da Medicina para diagnóstico ou prescrição, porque dispositivos que teriam dado exclusividade foram vetados.  

Portanto, a prescrição por enfermeiros é legal, mas necessariamente condicionada — não “clínica livre”. 

2. A notícia recente: regulamentação e avanços práticos 

2.1 O que está mudando agora 

Embora a prerrogativa existisse, havia um obstáculo prático: as farmácias privadas não aceitavam receituários de enfermeiros para antimicrobianos porque não havia campo no SNGPC (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados) para registrar o número profissional dos enfermeiros.  

Em 2025, a Anvisa atualizou o SNGPC para incluir esse campo e permitir que farmácias registrem prescrições de antimicrobianos feitas por enfermeiros com seu número no Conselho Regional de Enfermagem (Coren).  

Com isso, uma barreira prática para que essas prescrições sejam aceitas no setor privado foi removida. A Anvisa deixou claro, contudo, que não definiu quem pode prescrever — essa atribuição vem da lei, e a agência atua no controle sanitário e na regulação dos registros no sistema de controle.  

2.2 Validação judicial e constitucional 

No âmbito do Distrito Federal, havia uma lei local (Lei Distrital 7.530/2024) que obrigava farmácias a aceitarem receitas de enfermeiros para medicamentos em programas públicos.  Contudo, o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) declarou essa lei inconstitucional em maio de 2025, alegando que invadia competência da União para legislar sobre o exercício profissional. Mais adiante, o STF reconheceu a constitucionalidade dessa lei distrital, afirmando que ela apenas reafirma prerrogativa já conferida por lei federal (Lei 7.498/86).  Essa decisão do STF consolida segurança jurídica para a prática, quando dentro dos limites legais.  

Portanto, embora tenha havido um choque local (decisão judicial local versus lei distrital), o entendimento final favoreceu a validade da prerrogativa já existente.  

2.3 Consequências práticas esperadas 

  • As farmácias privadas agora poderão aceitar receitas de antimicrobianos prescritas por enfermeiros, desde que com o registro no SNGPC via Coren.  
  • A inclusão do enfermeiro no SNGPC fortalece rastreabilidade e controle sanitário dessas prescrições.  
  • Profissionais de enfermagem ganham maior autonomia, sobretudo em áreas de atenção primária e localidades remotas.  
  • Pode haver resistência de entidades médicas ou de farmácias que aleguem insegurança ou invasão de competência — esses embates são esperados.  

3. Desafios e riscos a considerar 

3.1 Segurança clínica e protocolos 

Permitir prescrição exige que as instituições de saúde tenham protocolos sólidos, fluxos validados, supervisão e auditoria, para evitar erros clínicos, reações adversas e riscos ao paciente. Esse cuidado é ainda mais relevante quando se trata de antimicrobianos. 

3.2 Resistência e conflito de atribuições 

Como vimos, ainda há controvérsias judiciais e pressões contrárias — por exemplo, médicos que alegam que atos de prescrição devem ser exclusivos.  Em locais onde a regulamentação local excedeu o federal, pode haver impugnações (como ocorreu no DF inicialmente).  

3.3 Diferenças entre público e privado 

Embora no SUS a prática já estivesse mais consolidada, no setor privado ainda há resistência operacional. A regulamentação no SNGPC facilita, mas não garante aceitação plena, principalmente em sistemas privados que não estejam adaptados. 

3.4 Limitações legais: controle especial e escopo de prescrição 

Enfermeiros não podem prescrever medicamentos sujeitos a controle especial (anabolizantes, psicotrópicos etc.). Também não é permitido ultrapassar os limites dos programas e rotinas institucionais. Qualquer ampliação que fuja desses limites pode ser contestada. 

4. O que esse movimento representa para clínicas, consultorias e gestores em saúde 

4.1 Oportunidade de otimização e acesso 

Para clínicas de saúde e estética integradas a programas públicos (por exemplo, clínicas populares, campanhas de saúde, parcerias com secretarias municipais), há potencial para agilizar atendimento, reduzir gargalos e aumentar a resolutividade no primeiro ponto de contato. 

4.2 Diferencial competitivo e posicionamento 

Para quem atua em consultoria para clínicas estéticas ou saúde, antecipar essas mudanças pode ser um diferencial: ajustar fluxos internos, capacitar enfermeiros para prescrição dentro dos protocolos e mostrar aos gestores que sua clínica está à frente das regulamentações. 

4.3 Treinamentos, compliance e protocolos internos 

Será essencial criar ou revisar protocolos internos, capacitar profissionais, realizar auditorias e garantir rastreabilidade. Também será importante acompanhar variações municipais ou regionais, que poderão implantar normativas próprias. 

4.4 Monitoramento jurídico e regulatório 

A normativa ainda está em processo de ajuste e interpretação (leis distritais, decisões judiciais, normativas da Anvisa). Quem atua no setor precisa monitorar essas alterações — especialmente para evitar litígios ou bloqueios operacionais. 

5. Caso fictício ilustrativo (simulação prática) 

Imagine uma clínica de saúde da família em município do interior, com escassez de médicos. Um enfermeiro, seguindo protocolos aprovados pela secretaria municipal, pode prescrever antibióticos para infecções comuns (conforme programa de ISTs ou tuberculose) sem depender de médico presente, desde que a farmácia local aceite essa prescrição via SNGPC com registro Coren. Isso acelera o atendimento, evita deslocamentos e melhora a adesão ao tratamento. 

Se a clínica de estética tiver parceria com saúde pública (por exemplo, atendimentos acessíveis ou programas de saúde integrados), esse modelo pode ser incorporado para ampliar a oferta de pequenos tratamentos junto à atenção primária. 

Conclusão 

A regulamentação da prescrição por enfermeiros, embora existente há décadas, está ganhando novo fôlego com ajustes práticos e decisões judiciais consolidadas. Trata-se de uma oportunidade — mas também de um campo que exige cautela, preparo institucional e vigilância regulatória. 

Se você é gestor, proprietário de clínica ou consultor no setor de saúde e estética, incorporar esse conhecimento no planejamento estratégico pode fazer a diferença: antecipar mudanças, ajustar fluxos, capacitar equipes e garantir segurança jurídica. 

Se quiser conversar sobre como aplicar isso na sua clínica de estética, adaptar protocolos ou posicionar seus serviços diante dessas transformações, entre em contato. Ficarei feliz em ajudar: https://linktr.ee/consultoriaestetica 

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